A ORIGEM E AS AVENTURAS DA FAMÍLIA AIRES

A ORIGEM

Conforme relatos familiares do saudoso Chico Preto, estudioso da história da família, tudo começou com três irmãos que saíram da Ilha da Madeira e aportaram nas praias de Aracati, fugindo da Inquisição que os perseguia por serem judeus. No Brasil, ganharam o apelido de "os Marinheiros". Um destes irmãos desceu para a região dos Inhamuns, no Ceará, onde se entrelaçou por meio de casamento com uma mulher da família Cavalcanti de Albuquerque. Durante o século XIX, parte desta família se envolveu em conflitos armados com outros grupos familiares na disputa por terras e poder econômico e político. Alguns membros da família fugiram e encontraram abrigo em Pau dos Ferros, onde vamos identificar a figura de Ayres Affonso, na metade do século XIX, que apesar de ter muitos parentes vivendo nos Torrões, em Pau dos Ferros, foi casado com Maria Ferreira de Macedo, herdeira de terras localizadas nos arredores da Serra do Camelo, entre José da Penha e Luís Gomes. Sabemos que eles tiveram pelo menos três filhos:

1. José Ayres Affonso, casado com sua prima Honorata Dias, residiam em Pau dos Ferros – RN, no Riacho do Meio.

2. Vicente Ayres Affonso, casado com Florentina Margarida da Conceição, sobrevivente dos massacres indígenas da região (veja aqui), criada no sítio Paul, onde viveram e deixaram descendentes.

3. Joana Gomes Nepomuceno, casada com Joaquim Coelho da Silva, os quais eram proprietários de terras no sítio Santo Antônio e na parte do Paul que fica ao leste do Rio Santana.

A família Ayres acabou se envolvendo na política de Pau dos Ferros, como forte partidária do Coronel Joaquim Correia, juntamente com a família Rêgo. A lealdade que tinham para com o partido acabou levando a família, principalmente a parte que vivia em Pau dos Ferros, para um destino triste.


José Ayres Affonso, o mais velho da família. Foto cedida por Renê Guida

OS DOIS TERTOS E A CHACINA DE 1919

Tanto José Ayres quanto Vicente Ayres tiveram filhos chamados Tertuliano. O filho de Zé Ayres era Tertuliano Ayres Dias, e o de Vicente era Tertuliano Ayres Primo. Para confundir ainda mais, Tertuliano Primo casou-se com Romana, irmã do outro Terto e, portanto, sua prima. Para facilitar a identificação, as pessoas se referiam a eles como Terto Grande, o mais velho, e Terto Pequeno ou Terto Primo, o mais novo.


Tertuliano Ayres Primo - o Terto Pequeno, ao lado de sua esposa e prima Romana Ayres e seus filhos. Nascido no Paul e protagonista de muitas das aventuras vividas pela família Ayres. Foto cedida por Renê Guida.


Terto Pequeno nasceu no Paul, mas tornou-se ferreiro em Pau dos Ferros, sob a tutela e o apoio do tio e depois sogro Zé Ayres. Terto Grande ajudava nos negócios do pai junto com seu irmão Paschoal, e fazia parte da banda de música de Pau dos Ferros.

A banda era composta por membros das famílias mais influentes de Pau dos Ferros, todas envolvidas direta ou indiretamente na política local. O principal rival de Joaquim Correia era o muito rico Adolpho Fernandes. Junto com os adversários de Joaquim Correia, tanto de Pau dos Ferros quanto de Natal, Adolpho e seu grupo elaboraram um plano para tirar o coronel Joaquim Correia de cena, armando uma emboscada sutil na casa dos Ayres no Riacho do Meio.

Era o ano de 1919. Alegando impossibilidade de continuar a banda devido às diferenças entre as facções que apoiavam Correia ou Fernandes, foi convocada uma reunião na casa de Zé Ayres para dividir os instrumentos. O que parecia simples tornou-se complicado e virou uma discussão acalorada. No auge da exaltação, um membro do grupo dos Fernandes levantou-se de forma premeditada contra o Coronel Correia, armado de um punhal, sabendo que os Ayres e os demais aliados viriam em seu socorro. A farsa estava armada. Com tiros e facadas, a confusão deixou feridos e mortos, dentre eles Paschoal, filho de Zé Ayres. Policiais estrategicamente colocados nas proximidades invadiram a casa e prenderam os donos, acusando-os de terem atraído os adversários até lá para mata-los.

Com desgosto e luto profundos, o velho Zé Ayres não quis proceder vingança. O Coronel Correia se retirou de Pau dos Ferros para Lajes e a família de Zé Ayres foi pra Mossoró, incluindo Terto Pequeno, já casado com Romana e pai de um garoto de 1 ano de idade, que viria a ser o Monsenhor José Aires, o padre mais querido e lembrado pelo povo da cidade de São Miguel, onde atuou por muitos anos.


TERTO PEQUENO, COMUNISMO E SUBVERSÃO

Terto Pequeno era ferreiro desde quando morava no interior. Em Mossoró agiu com tino empreendedor de fazer inveja a qualquer coaching da atualidade: montou uma fábrica de chocalho e lamparina, que logo se transformou numa indústria de fundição. Com o dinheiro que ia ganhando, investia. Comprou loja de peças automobilísticas e posto de gasolina, inventou de fabricar cordas e comprou uma fazenda para plantar agave e fornecer a matéria prima. Por fim, comprou muitos imóveis em Mossoró, construindo um verdadeiro império.

O que poucos sabem de Terto Pequeno é sua participação política após os ocorridos no Riacho do Meio, talvez pelo fato de que o Terto Grande receba o protagonismo, por ter sido maçom ilustre e prefeito de Mossoró. Um fenômeno igualmente pouco conhecido foram as “guerrilhas” dos “bandoleiros vermelhos” no Rio Grande do Norte nos anos 30. O Partido Comunista Brasileiro – PCB – já vinha preparando um direcionamento interno voltado para as guerrilhas desde muito tempo, mas o partido era frequentemente desestabilizado com prisões de seus membros. A partir de 1934 o apelo a luta armada por parte do PCB tornou-se mais intenso, inclusive com elogios ao cangaço enquanto movimento social de luta camponesa no sertão. Nesse contexto, greves ocorridas em Mossoró, Açu, Macau e Areia Branca aumentaram o clima de agitação. Em 1935, grupos armados organizados a partir destas cidades e estimulados pelo PCB começaram a atuar na prática, mas sem formação teórica de fato, o que determinou sua subjugação a forças políticas locais oposicionistas ao Governador Rafael Fernandes, eleito em 1935 e inimigo declarado dos “bandidos vermelhos”. O perfil dos participantes era de desempregados ou pessoas sem emprego certo, que viam naquela guerrilha distorcida uma forma de sobrevivência: assaltavam, matavam e escondiam-se em fazendas de coronéis aliados, interessados em seus serviços. Ao contrário do que se possa imaginar, esse grupo peculiar não teve relação com a Intentona Comunista, ocorrida em Natal em 1935.

Terto Pequeno entra nesta história como parte de uma rede de comerciantes e profissionais liberais que apoiou secretamente os cangaceiros vermelhos com dinheiro e serviços. Ele ficava encarregado de consertar e realizar manutenção das armas usadas pelos membros do grupo. Chegou a ser citado em vários depoimentos, acessíveis no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro nos processos 2, 5, 7 e 22 do TSN. Com base nestes depoimentos, Terto Pequeno chegou a ser indiciado por crime de subversão, do qual foi absolvido. Coincidência ou não, Terto Pequeno havia se envolvido num incidente em que armas produzidas em sua oficina foram apreendidas viajando num caminhão para Pau dos Ferros, em 1930, nas vésperas da eleição de Getúlio Vargas contra Júlio Prestes. Terto Pequeno era partidário da Aliança Liberal, que fazia campanha para Vargas e que depois encabeçou a revolta que o colocou no poder, ainda em 1930. Novamente, por coincidência ou não, o motorista que conduzia as armas era Manoel Damião, o qual ofereceu posteriormente abrigo e colaborava com trinta mil réis mensais para os bandoleiros vermelhos.


A direita: resumo do processo contra Terto Ayres por crime de subversão. A esquerda: matéria do jornal A União, de 1° de março de 1930.



Terto Pequeno ainda presenteou a capela de Riacho de Santana com o sino que mantém até hoje. 


OS MARINHEIROS DO PAUL

Os filhos de Vicente e Florentina foram quatorze, ao todo:

1. Ruphino Ayres Affonso, desapareceu no ano de 1910.

2. Vicência, que foi casada duas vezes, a primeira com Mamede Joaquim, a segunda com Francisco Urbano, e por este meio matriarca da família Urbano Aires de Pau dos Ferros e do Maranhão.

3. Marcolino, mais conhecido como Marco Marinheiro, casado com Maria Cajé;

4. José, conhecido como Zé Marinheiro ou Zé Bico, casado com Francisca Cajé;

5. Josefa, conhecida como Zefa Santa, rezadeira, esposa de João Santos.

6. Manoel Marinheiro, que se tornou padeiro e empresário em Pau dos Ferros, foi casado duas vezes, a primeira com sua prima Antônia e a segunda com Maria Albertina, Noca

7. Terto Primo, ferreiro, já descrito mais acima.

8. Joana, casada com Cosme Felipe.

9. Umbelina, casada com Zé Cajé.

10. Rosa, casada com Cipriano Santos.

11. Chico Marinheiro, casado com Raquel Pereira.

12. Miguel Marinheiro, tropeiro, casado duas vezes, a primeira com Laurinda, a segunda com Ana Clea.

13. Joaquim Marinheiro, casado duas vezes, a primeira com sua prima Isabel e a segunda com Carmina. Viveu muitos anos no Maranhão, onde acolhia muitos retirantes oriundos de sua terra natal.

14. Pedro Marinheiro, casado duas vezes, a primeira com Maria Francisca e a segunda com Maria Costa.


Os filhos de Joana e Joaquim Coelho foram:

1. Bárbara, casada pela primeira vez com Manoel Eloy e a segunda com João Pereira de Castro (João Braúna).

2. Donata, casada com Cândido Bonifácio, conhecido como Cândido das Vazantes

3. Júlia, casada com Zeferino Felipe

4. Francisco Coelho, casado com Antônia Generosa

5. Moisés Coelho, casado com Regina 

6. Antônio Coelho, casado com Águeda Maria da Conceição

7. Raimundo Coelho, casado com Rosa Santa

8. Antônia, primeira esposa de Manoel Ayres

9. Isabel, primeira esposa de Joaquim Ayres

10.  Laurinda, primeira esposa de Miguel Ayres (era filha de Joaquim Coelho e sua segunda esposa, Januária). 


Comentários

  1. Excelente! Aqui é Francisco Chagas, parece que viajei no tempo. Impressionante é ver que o povo do sitio paul são todos Coelho, Felipe Carvalho e Aires. Vindos de José Felipe de Carvalho de Vicente Ayres. Formou-se ali a grande família.

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  2. Sou da família Aires mais sempre quis saber a história com mais detalhes. Muito boa a matéria.

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  3. História maravilhosa você viaja no tempo...amei a riqueza de detalhes

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  4. Eu já havia pesquisado a história da minha família, mas é incrível poder ler e saber de todos esses detalhes. Entender melhor as histórias que escuto desde criança, e poder me reconhecer pelas minhas origens. Amigo, espero que você continue com esse projeto incrível, que fala tanto sobre a identidade do nosso povo e da nossa cidade. Parabéns!

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  5. Bom dia. Muito bom o trabalho realizado pelo Blog. Dado que os Marinheiros provavelmente eram judeus secardistas, gostaria de saber se blog sabe de alguém que ja tentou buscar a nacionalidade portuguesa? Eu seria um dos descendente do Francelino Ayres Cavalcante.

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    1. Estou tentantanfo conseguir documentos pois meu esposo e bisneto de feancelino ayres cavalcante

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  6. Eu sou neto de Joaquim Aires e Carmina!
    Os nomes depois de 1930 me são todos familiares!

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  7. Sou Francisco Aires Afonso...
    Maranhense. Conheço muitos parentes da linhagem dos Urbanos

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