As histórias esquecidas de Riacho de Santana - parte 1: Os eventos na serra de Portalegre e o que tem a ver com a gente

Na história de Riacho de Santana, onde estavam os índios e os africanos escravizados?

Os povos originais

A mais impressionante história de resistência de um povo aconteceu aqui. Durante mais de 1 século, os índios do sertão resistiram ao avanço da colonização portuguesa. Muitos historiadores já descreveram esse período por meio do título de Guerra dos Bárbaros, mas o termo Guerra do Açu é mais preciso e denota especialmente a etapa final, que se concentrou na região que hoje corresponde a região Oeste do Rio Grande do Norte.

Nossos índios eram chamados coletivamente de tapuias, o que não fazia jus a enorme diversidade de etnias que se constituíram no sertão nordestino: paiacus, cariris, canindés, januís, panatis, icós, caborés... Os paiacus eram pintados pelos portugueses como brutos, selvagens e canibais. Durante a Guerra do Açu, grande parte destes índios foram dizimados, e os sobreviventes foram abrigados na vila de Portalegre, misturando várias tribos da Paraíba e do Ceará com as tribos potiguares. Na prática, os índios ficaram confinados às piores terras da vila, e a pesquisadora Glória Freitas levantou a consistente hipótese de que este foi o embrião das atuais comunidades quilombolas de Portalegre, pois a segregação imposta aos povos originais e aos africanos que foram traficados e escravizados no Brasil terminou por produzir, especialmente no sertão, uma união forte entre os dois povos. As histórias dos caboclos brabos e dos "pretos do cativeiro" se confundem frequentemente nos relatos orais dos mais velhos. 


Os índios confinados na Vila de Portalegre e os escravos fugidos que a eles se associaram não foram deixados em paz por muito tempo. A população da vila, formada por ilustres famílias de colonos portugueses, bem como a população de Martins e Pau dos Ferros, se envolveram diretamente nos conflitos entre a elite brasileira e a Coroa Portuguesa que culminaram na Revolução Republicana de 1817, que embora chamada de Pernambucana também teve um foco no Rio Grande do Norte. Detalhes sobre a revolução de 1817 podem ser apreciados na obra Dezessete, do conterrâneo Savio Lopes, mas no momento lembramos o impacto da insurreição das elites nos índios amontoados nas acidentadas terras de Portalegre.

Em dado momento, os brancos tentaram recrutar os índios "aquilombados" - como eram chamados pelos moradores da vila - para as fileiras de sua revolução, mas não obtiveram sucesso. Irados, os brancos atearam fogo nas casas dos índios, que se dispersaram e fugiram, mas que também ficaram e prometeram vingança. Sete anos depois, já na vigência do Primeiro Reinado sob D. Pedro I, as mesmas famílias envolvidas no motim de 1817, cujos membros haviam sido presos ou mortos, reacendem o movimento republicano no Nordeste, formando a Confederação do Equador em 1824.

Enquanto as hostes potiguares se dirigiam para as divisas com o Ceará e a Paraíba, fronts daquela pequena guerra civil, os índios "aquilombados", armados de pedras, paus, facas e garfos, invadiram a vila e ofereceram aos brancos um pouco do gosto amargo do terror. A história registra o nome de dois líderes desse movimento: Luísa Cantofa, que seria remanescente dos paiacus da Ribeira do Apody, e João do Pêga, pertencente a uma das muitas tribos de outras regiões que foram trazidas a força para Portalegre. Dentre as mortes contabilizadas naquele dia, figuras importantes como o delegado da cidade.

Após a supressão da Confederação do Equador, os esforços se voltaram para neutralizar "a anarquia na serra", como chamou um dos delegados que veio de Natal para Portalegre. Após perseguição e morte, muitos índios fugiram pro Ceará e outros setenta foram presos, dentre eles João do Pêga. Seu destino eram as celas da cadeia de Natal, mas os homens que o transportavam não aguentaram o desejo de se tornarem também seus algozes. Os setenta índios foram executados aos pés da serra de Portalegre, em território hoje pertencente ao município de Viçosa. Os relatos dão conta de que João do Pêga teria sobrevivido, pois a bala o pegara de raspão, e que, mesmo ferido, arrastou-se para as grutas da serra e ali viveu, alimentando-se de folhas, mel de abelhas e frutas do tempo. Com o retorno da normalidade, voltou a viver no "aquilombado", e sua presença assombrou por anos os moradores da vila, que o consideravam um fantasma que havia retornado dos mortos por obra de feitiçaria indígena. O destino de Luísa Cantofa também é relatado nas histórias que o povo conta: teria se escondido numa gruta com sua neta Jandi, até que um dia, ao sair para arranjar comida, foi encontrada por moradores da vila que a executaram. Diz a lenda que ela foi morta enquanto rezava o ofício de Nossa Senhora. Entretanto, também há evidências de que Luísa fora uma grande rezadeira, versada nos saberes de seus ancestrais nativos daquela terra, e portanto é provável que ou tenha sido obrigada pelos seus assassinos a rezar a oração cristã ou que esse detalhe tenha entrado na história apenas para suavizar ou embranquecer o genocídio dos paiacus.

Sertão Potiguar: PORTALEGRE/VIÇOSA: O Massacre dos índios Tapuias ...
Local onde teria ocorrido o massacre de 70 índios após as revoltas na serra de Portalegre. Fonte da foto: Blog na Hora RN.


Há uma afirmação de Câmara Cascudo de que esse foi o fim do índio no RN. Hoje sabemos que ocorreu na verdade uma criminalização da figura do índio, que acabou se convertendo na figura do "caboclo brabo", caçado a casco de cavalo e dente de cachorro, história universalmente presente nas famílias do sertão, contada e recontada infinitas vezes. O que realmente ocorreu foi que os índios, fugindo da perseguição em Portalegre, tentaram alcançar a província do Ceará. Nesse movimento, muitos fazendeiros caçaram ativamente os nativos, usando-os como trabalhadores ou tomando as mulheres como esposas. (Continua...)

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